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Crônicas do Caminho. Por Guy Veloso

ANJOS

 

Guy Veloso

(c) Texto registrado na biblioteca Nacional. Direitos reservados.

 

IMAGINE UM POVOADO de apenas duas ruas, quarenta casas e um anjo. A vila se chama Azofra e o ser angélico, Maria Tobia. Bem, anjos naquele lugar não era nada muito raro, afinal, a padroeira da povoação é Nossa Senhora dos Anjos. Talvez por isso ventasse tanto ali, a ponto de levantar nuvens de poeira e folhas secas de outono. Muita gente batendo as asas…

Maria Tobia é a responsável pelo albergue de peregrinos, figura muito querida e famosa por seu jeito simples e sincero no trato para com os forasteiros. Ela havia acabado de limpar a estalagem quando eu fui atirado, como que carregado pela ventania, porta à dentro. Ah, antes disto, preciso dizer que logo na entrada do vilarejo, perguntei a uma senhora em qual das duas (únicas) ruas ficava o albergue. Ao invés de responder, ela largou seus afazeres e me levou até a porta da estalagem quase no fim do povoado. Anjos…

Bem, voltando a Dona Maria, mesmo cansada, ela me ofereceu estadia e me deu um cacho de uvas frescas tirado do altar. Sim, o altar de Santa Maria dos Anjos (que ficava colada ao albergue) estava adornado naquele dia com “uvas bentas”. Era o segundo dia das festividades anuais do vilarejo e um pouco da decoração da igreja estava servindo de lanche aos andarilhos.

Mais tarde, fui pegar mais bênçãos (uvas) com Dona Maria, aproveitando para lhe perguntar se necessitava de alguma ajuda. De pronto, ela me mostrou três andores de madeira postos no chão com três imensas imagens barrocas, que tinham sido levadas naquela manhã em cortejo pela aldeia. “Brasileiro, preciso que você as ponha de volta no altar, pois haverá missa solene amanhã com todo o vilarejo reunido”, disse ela. E as imagens eram quase da minha altura…

Chamei os amigos e, acreditem, os brasileiros (eu, Zel, Adelmo e Marcelo) montamos o altar da Igreja de Santa Maria dos Anjos de Azofra. Colocamos cada santo em seu lugar. Cada jarro com flores, cada círio, cada cacho de uva — estas, herança de celebrações pagãs de chegada da colheita, acredito.

Inclusive, posicionamos a Nossa Senhora dos Anjos em seu nicho, cinco metros acima do nível do chão (juro! O Zel tem as fotos para provar). Só com a força de nossas mãos — e ajuda dos anjos. Tudo sob o olhar entusiasmado e confiante de Dona Maria Tobia, que, em momento algum (ao contrário de nós) achou que despencaríamos do altar junto com os santos barrocos do século XVIII da única igreja das redondezas.

Dia seguinte, os brasileiros “que montaram o altar” foram a grande novidade da missa festiva. Sim, absolutamente todo o povoado já sabia da história. Na rua, na praça, no bar, pessoas desconhecidas vieram nos cumprimentar e conversar. Em lugares pequenos como aquele, histórias como esta voam. Como os anjos.

 

(Para Zel, Cris, Adelmo, Marcelo, Erick, Claudinéa, Mário, Luciano, Dalva, Dora, Violeta, Valquíria, Fátima e Juliana. Ultreya!).

 

 Guy Veloso é fotógrafo e escritor

http://www.guyveloso.com

 

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Guia do Caminho de Santiago de Compostela – Guy Veloso

Guia para 30 Dias (efetivos de caminhada para alguém com preparo físico mediano).

Sugestão de trajeto a pé pelo Caminho Francês a partir do povoado espanhol de Roncesvalles. Todos os pontos de chegada possuem albergues de peregrinos.

Texto e fotos © Guy Veloso, 1999 (reg. Biblioteca Nacional).

Caminho de Santiago Saint James road Camino de Santiago

Manjarín-León. (c) Guy Veloso

1º DIA: Roncesvalles – Larasoaña (27 km – etapa de dificuldade média).

O peregrino é brindado logo no primeiro dia de caminhada com Bucólicos bosques. O trajeto passa entre fazendas e vinhais, além de cinco vilarejos. Em Larasoaña, o próprio prefeito local, Sr. Santiago Zubiri, fará as honras da casa.

2º DIA: Larasoaña – Cizur Menor ( 20 km – etapa fácil).

Mais túneis verdes até a chegada a uma grande cidade, Pamplona, com todos os serviços que o viajante possa necessitar. Uma hora depois de Pamplona, o peregrino pode alberguar-se em um belíssimo povoado, Cizur Menor, escolhendo um dos três estalagens possíveis (sugiro o pernoite em colchões postos no chão da Igreja de San Juan, cuidada pela Ordem de Malta).

3º Dia: Cizur Menor –  Puenta la Reina ( 19 km –  esforço médio).

O peregrino apreciará a belíssima vista desde o topo do Monte do Perdão. Nesta etapa, ao passar pela vila de Muruzabal, antes de Obanos, não deixe de desviar-se um pouco da Rota (20 minutos) para conhecer a igreja românica octogonal de Eunate, antiga possessão dos Cavaleiros Templários, um dos mais belos monumentos de todo o Caminho.

4º DIA: Puente la Reina –  Estella (22,5 km –  fácil).

Nesta etapa, dois magníficos povoados medievais, Mañero e Ciruaque. Em Estella tem virado costume dos peregrinos brasileiros visitarem um abrigo de velhinhos, situado ao lado da Igreja de Santo Domingo.

4º DIA: Estella – Los Arcos (21 km – médio).

Você não vai acreditar: há uma fonte que além de água, dá vinho (grátis) aos peregrinos na saída de Estella. Fica no lado de fora de uma vinícola, ao lado do Monastério de Irache. Ao chegar na vila de Ázqueta, você pode procurar conhecer Pablito, um personagem do Caminho, que nas horas vagas dedica-se a presentear os peregrinos com levíssimos e resistentes cajados de madeira talhados por ele. Depois de Ázqueta, pouca vegetação e uma grande planície antes de chegar a Los Arcos com o sol queimando o corpo e a alma.

6o DIA: Los Arcos – Logroño (28 km – fácil).

Não deixe de conhecer a igreja octogonal do Santo Sepulcro em Torres del Rio. Se ela estiver fechada, simplesmente pergunte pela senhora que guarda as chaves, que certamente aparecerá alguém para mostrá-la a você.

7º DIA: Logroño – Nágera (30 km – etapa de esforço médio para difícil).

Imagine uma planície solitária interminável… Se você tiver ainda fôlego, conheça em Nágera o Monastério de Santa Maria la Real e a lenda da aparição da Virgem em uma gruta.

8º DIA: Nágera – Grañon (27km – médio).

Um passeio pelos campos. Pare em Santo Domingo de la Calzada no intuito de apreciar a curiosíssima gaiola com um galo e uma galinha vivos dentro do templo. Se quiser ver onde se cria os galináceos da Igreja, é só dar uma espiada na lavanderia do albergue de peregrinos. Curioso albergue de Grañon, dentro de uma Igreja, onde nada lhe será cobrado. Pela noite, participe lá dos rituais especiais aos peregrinos.

9º DIA: Grañon – Belorado (16km – fácil).

Trajeto muito fácil até Belorado. Quem estiver bem fisicamente, pode seguir adiante até Villafranca Montes de Oca, ou até mesmo San Juan de Ortega. Mas quem estiver cansado, pode ficar em Viloria de La Rioja, no Albergue brasileiro no Caminho.

De qualquer forma, vale parar em Viloria e conhecer o Refúgio do hospitaleiro Acácio (06,5km depois de Grañon, e 9,5km antes de Belorado).

10º DIA: Belorado – San Juan de Ortega (24km – esforço médio).

Algumas subidas a partir de Villafranca. Não esqueça a água do cantil: você vai precisar!

11º DIA: San Juan de Ortega – Burgos (28 km – médio).

Nesta etapa, atravessamos toda a parte industrial de Burgos antes de chegar ao albergue, situado justo na saída da cidade. Visite a Catedral gótica, Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

12º DIA: Burgos – Hontanas (24km – fácil para médio).

Um passeio pelos campos.

13º DIA: Hontanas – Boadilla (29km – médio para difícil).

Em Castrojeriz, conheça Tonho e Maria Jesus, casal dono do bar “La Taberna”, grandes amigos dos brasileiros (mande um abraço meu!). Logo após Castrogeriz há uma subida de 45 minutos. Meia hora depois, no meio do nada, Ermida de San Nicolás, habilitada como albergue de peregrinos em alguns meses do ano (verão). Lá, é realizado pela Ordem de Malta (administradora do refúgio) antigos rituais de acolhida aos peregrinos hospedados. Albergue novo em folha em Boadilla del Camino.

14º DIA: Boadilla – Carrión de los Condes (25km – médio).

Em Frómista conheça a Igreja românica de San Martin, uma das jóias deste estilo arquitetônico na Europa. Pare no povoado de Villacázar de Sirga para conhecer a Igreja de Santa María la Blanca, que também pertenceu – assim como todo o povoado – aos Templários. Em Carrión, fique no albergue ao lado da Igreja de Santa Maria, cuidado pela prestativa e sempre sorridente Sra. Margarida.

15º DIA: Carrión – Terradillos de los Templários (27km – difícil).

Primeiros 17 quilômetros inteiramente desérticos através de campos cultivados. Leve bastante água no cantil! Hospedagem em uma albergue particular com camas individuais e lençóis limpos. A Sra. Mariza lhe tratará como membro da família.

16º DIA: Terradillos – Burgo Raneiro (31 km – médio).

Monótono pelos campos quase sempre desertos.

17º DIA: Burgo Raneiro – León (38 km – médio).

Em León, não perca o Museu da Igreja de San Isidoro com seus afrescos românicos, e a Catedral com seus vitrais. Há 2 albergues de peregrinos na cidade. O meu preferido é o Convento de Santa Maria del Carbajal (no Centro Histórico). Lá, ao cair da tarde os peregrinos são chamados pelas freiras para participarem como convidados especiais de uma singela cerimônia com cânticos devocionais. No mais, usufrua de uma grande cidade com todos os serviços possíveis (lavanderias, cyber-cafés, bares, restaurantes etc…).

18º DIA: León – Villadangos del Páramo (19km – fácil).

Caminhos por áreas industriais e seguindo a auto-estrada.

19º DIA: Villadangos – Astorga (26km – fácil para médio).

Em Astorga, conheça a Catedral Gótica e o Palácio de Gaudi.

20º DIA: Astorga – Manjarin (30 km – difícil).

Depois de Astorga, faça um ligeiro desvio da Rota tradicional, entrando no povoado de Murias de Rechivaldo (a trilha normal vai pela esquerda sem passar na vila) para, dez minutos além, conhecer o belíssimo povoado de Castrillo de Polvazares, todo em pedra. Depois, há uma subida difícil ofuscada pela beleza da paisagem. Ao chegar na Cruz de Ferro (monte de pedras com um mastro de carvalho coroado com uma cruz), é tradição você acrescentar uma pedra ao montículo. Se você tem espírito aventureiro, deve pernoitar no albergue de Manjarin, o mais rústico do Caminho e um dos preferidos pelos “esotéricos”. Pela manhã, Tomás, o hospitaleiro, oferecerá um café gratuito. Ao meio-dia (mais ou menos) conduzirá uma cerimônia Templária. Verdade!

21º DIA: Manjarin – Molinaseca (20 km – fácil).

Descida (cuidado com os joelhos). Piscinas naturais no belíssimo povoado de Molinaseca. No albergue, Alfredo, o hospitaleiro, comandará o papo, regado ao bom vinho da Região.

22º DIA: Molinaseca – Villafranca del Bierzo (31 km – fácil para médio).

Na cidade de Villafranca, há dois albergues. Um da prefeitura, novo e confortável, mas sem nenhuma personalidade. O outro, o tradicional Refúgio Ave Fênix, de Jesus Jato, um senhor que há 30 anos acolhe os peregrinos em sua casa. Em noites frias, ele faz um curioso ritual queimando ervas em uma vasilha de cerâmica, tendo o álcool como base, fazendo uma bebida fortíssima, o Orujo.

23º DIA: Villafranca – O Cebreiro (30 km – difícil).

A maior subida do Caminho (a partir de Roncesvalles). Etapa realmente espinhosa… No Cebreiro, conheça o milagre da carne e do sangue de Jesus.

24º DIA: O Cebreiro – Monastério de Samos (27 km – médio).

Etapa belíssima através dos bosques. Hospedagem na própria Abadia. Experimente o mel produzido pelos monges. Não perca as “visperas” (celebração íntima dos abades).

25º DIA: Samos – Ferreiros (27km – médio).

Um mergulho na vida rural.

26º DIA: Ferreiros – Palas de Rei (34km – médio).

Túneis verdes.

27º DIA: Palas de Rei – Ribadiso de Baixo (25km – fácil).

Em Melide, conheça uma “pulperia” (casa de degustação de polvos e vinhos). A melhor fica na rua principal do povoado que coincide com o Caminho. Belíssimo albergue de Ribadiso de Baixo, um dos melhores do Caminho.

28º DIA: Ribadiso – Arca (22km – fácil).

Belas rotas verdes. Tome muito cuidado ao atravessar a auto-estrada. Estamos chegando…

29º DIA: Arca – Monte do Gozo (16km – fácil).

Belíssima vista da cidade de Santiago de Compostela a partir do Monte. Se você é ansioso, dificilmente ficará neste albergue, há apenas 4 quilômetros da Catedral de Santiago.

30º DIA: Monte do Gozo – Santiago de Compostela (5 km – fácil para o corpo, difícil para o coração). A maioria dos peregrinos vai direto de Arca a Santiago. Se não der, há um imenso albergre bem próximo de Compostela.

Assista a missa do peregrino na Catedral ao meio-dia. Emoção da chegada gratifica todo o esforço destes 30 dias.

Bom Caminho!

Guy

http://www.guyveloso.com

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